Brasília, 20 de fevereiro a 3 de marçode 2006 - Nº 417.
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
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SUMÁRIO
Plenário
ADI e Princípio da Não-Cumulatividade - 2 Aplicação do CDC aos Bancos - 2 Aplicação do CDC aos Bancos - 3 Composição de Membros de Tribunal de Justiça: Fixação de Teto e Iniciativa Sursis Processual e Concurso de Crimes - 2 Lei 8.072/90: Art. 2º, § 1º - 4 CPI: Ato Jurisdicional e Princípio da Separação dos Poderes Protocolo Descentralizado e Instância Extraordinária Remuneração de Servidores e Princípio da Reserva de Lei 1ª Turma
Auditoria Militar e Cumulação de Competências Promoção: Não-Extensão a Inativos Afastamento de Cargo e Devolução de Remuneração 2ª Turma
Alegações Finais: Inversão e Direito de Defesa Novação de Título Prisional: Prejudicialidade e Vários Fundamentos Aplicação de Multa e Juízo de Admissibilidade Clipping do DJ Transcrições
Imunidade Parlamentar e Enunciado da Súmula 3 do STF (RE 456679/DF) ADPF e Princípio da Subsidiariedade (ADPF 76/TO) PLENÁRIO
ADI e Princípio da Não-Cumulatividade - 2
Em conclusão de julgamento, o Tribunal julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de Santa Catarina contra a Lei estadual 11.362/2000, de iniciativa parlamentar, que determina que a concessão de redução de base de cálculo ou de isenção, facultada pelo Convênio ICMS 36/92, às operações internas com os insumos agropecuários nele especificados, implica a manutenção integral do crédito fiscal relativo à entrada dos respectivos produtos - v. Informativo 382. Entendeu-se que a lei impugnada excepcionou, com autorização dos Convênios ICMS 36/92 e 89/92, e em consonância com o § 2º do art. 155 da CF, a regra geral de estorno do crédito (CF, art. 155, § 2º: "II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: ... b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;").
ADI 2320/SC, rel. Min. Eros Grau, 15.2.2006. (ADI-2320) Aplicação do CDC aos Bancos - 2
Retomado julgamento de ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF contra a expressão constante do § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor - Lei 8.078/90 que inclui, no conceito de serviço abrangido pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária ("§ 2º: Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista."). Sustenta-se que a expressão atacada ofende o princípio do devido processo legal e invade a reserva de lei complementar, prevista no art. 192, II e IV, da CF (redação original), para regular o sistema financeiro - v. Informativo 264. Inicialmente, o Tribunal indeferiu, tendo em conta o voto já proferido pelo Min. Carlos Velloso, relator, o requerimento do IDEC-Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor de suspensão do julgamento até a investidura de novo ministro em substituição àquele, aposentado. Também afastou, por maioria, a preliminar de prejudicialidade da ADI, em face da alteração do art. 192 pela EC 40/2003, já que a nova redação do referido dispositivo conservou a competência legislativa da lei complementar para tratar do Sistema Financeiro Nacional - SFN, remanescendo, dessa forma, a impugnação da lei quanto à questão da reserva de lei complementar, bem como porque a ação direta tem causa de pedir aberta. Vencidos, no ponto, os Ministros Sepúlveda Pertence, Eros Grau e Carlos Britto que davam pelo prejuízo da ação por considerar que a modificação sofrida pelo art. 192 alterou substancialmente o parâmetro da ADI.
ADI 2591/DF, rel. Min. Carlos Velloso, 22.2.2006. (ADI-2591) Aplicação do CDC aos Bancos - 3
Quanto ao mérito, o Min. Nelson Jobim, presidente, em voto-vista, acompanhou o voto do Min. Carlos Velloso, relator, no sentido de julgar procedente em parte o pedido, para emprestar à norma inscrita no § 2º do art. 3º da Lei 8.078/90 interpretação conforme à Constituição, para afastar a exegese que nela inclua as operações bancárias. Depois de apontar distinções entre as figuras do consumidor, do poupador e do mutuário - estes integrantes do processo econômico e aquele de relação que diz respeito a uma posição subjetiva individual ou individualizável -, bem como a existência de regimes jurídicos específicos para o tratamento de cada um deles - sendo que o do consumidor visa à equiparação de relação fática desigual e o do poupador e do mutuário está associado à proteção da política monetária realizada pelo Banco Central do Brasil - BACEN e pelo Conselho Monetário Nacional - CMN -, entendeu não haver ligação entre as operações bancárias e a idéia de consumo. Com base nisso, demonstrou, em seguida, que a taxa de juros praticada pelo governo, referencial básico da taxa de juros cobrada pelo banco do mutuário e paga ao depositário, constitui um dos instrumentos de política monetária utilizados para o controle da inflação. Afirmou que essa ferramenta, dependente de uma série de variáveis, não pode ter seus limites dissociados de referida política. Ressaltou, nesse ponto, que a aplicação do CDC a operações bancárias - típicas do sistema financeiro, que consistem em transferência de moeda ou de crédito, com relevante impacto na política monetária - e a possível limitação da taxa de juros por agentes desvinculados dessa política, comprometeria a atividade dos bancos e o próprio desenvolvimento da economia do país. Não obstante, reconheceu que a restrição da aplicação do CDC se limita às operações típicas do Sistema Financeiro Nacional. Assim, diferenciando as operações bancárias dos serviços bancários, concluiu que, no caso destes - serviços prestados pelos bancos a clientes e usuários que não configuram relações financeiras relativas a investimentos e depósitos e pelos quais as instituições financeiras são remuneradas -, haver-se-á de aplicar o CDC. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Eros Grau.
ADI 2591/DF, rel. Min. Carlos Velloso, 22.2.2006. (ADI-2591) Composição de Membros de Tribunal de Justiça: Fixação de Teto e Iniciativa
O Tribunal iniciou julgamento de ação direta ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, em que se pretende a declaração da inconstitucionalidade da expressão "no máximo, trinta e cinco", contida no caput do art. 122 da Constituição do Estado da Bahia, que fixa o número máximo de Desembargadores a compor o tribunal de justiça local. O Min. Sepúlveda Pertence, relator, acompanhado pelos Ministros Nelson Jobim, presidente, e Joaquim Barbosa, julgou improcedente o pedido. Reafirmando os fundamentos de seu voto na ADI 274/PE (DJU de 5.5.95), entendeu não haver inconstitucionalidade na norma atacada, já que a Constituição baiana não criou nem extinguiu cargos de Desembargador, cuja matéria seria de iniciativa legislativa do Tribunal de Justiça (CF, art. 96, II, b), mas apenas fixou um limite aos aumentos futuros por lei ordinária. Em divergência, o Min. Marco Aurélio, acompanhado pelo Min. Carlos Britto, julgou o pleito procedente por considerar, tendo em conta o princípio da simetria, que, ante a existência de um piso quanto ao número de magistrados a compor o STJ (CF, art. 104), seria inadmissível a fixação de um teto pela Carta estadual. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Eros Grau.
ADI 3362/BA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.2.2006. (ADI-3362) Sursis Processual e Concurso de Crimes - 2
O Tribunal retomou julgamento de habeas corpus em que se discute o cabimento ou não da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89) na hipótese de crimes cometidos em concurso formal, concurso material ou em continuidade delitiva - v. Informativo 317. O Min. Nelson Jobim, presidente, em voto-vista, abriu divergência para indeferir a ordem, mantendo a orientação fixada pela Corte no julgamento do HC 77242/SP (DJU de 25.5.2001), de que, para concessão do benefício, há de haver a soma das penas mínimas dos delitos em concurso ou continuados, cujo valor deve ser inferior a um ano. Foi acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto. Inicialmente, ressaltou que "a suspensão condicional do processo é instrumento que, diante da valoração do legislador, se presta a evitar os 'efeitos estigmatizantes' do processo", e tem por objetivo alcançar os crimes de menor gravidade. Com base nisso, e tendo em conta a forma como o direito penal trata e entende as figuras de concurso de crimes - quanto ao cumprimento de pena, tem-se a ficção de que no concurso material há um crime com pena que equivale à soma das penas cominadas aos demais crimes (CP, art. 69), e no concurso formal e na continuidade delitiva há o crime mais grave com pena aumentada de 1/6 (CP, artigos 70 e 71) -, concluiu que qualquer interpretação que altere essa configuração original conduz à subversão das opções feitas pelo legislador. Asseverou que a Lei 9.099/95, quando dispôs sobre a matéria, tomando por base o instituto da suspensão condicional da pena (CP, art. 77), indiretamente valorou esse quadro ao impor como critério objetivo de incidência da norma a pena mínima do crime em um ano e que, no caso de concurso de crimes, haver-se-ia de considerar tais parâmetros. O Min. Eros Grau acompanhou o voto do relator no sentido de conceder parcialmente a ordem. Após, o julgamento foi adiado em face do pedido de vista do Min. Cezar Peluso.
HC 83163/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 23.2.2006. (HC-83163) Lei 8.072/90: Art. 2º, § 1º - 4
Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo diploma legal - v. Informativos 315, 334 e 372. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido formulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de regime prevista na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (Lei 8.072/90, art. 5º). Considerou-se, ademais, ter havido derrogação tácita do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 pela Lei 9.455/97, que dispõe sobre os crimes de tortura, haja vista ser norma mais benéfica, já que permite, pelo § 7º do seu art. 1º, a progressividade do regime de cumprimento da pena. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, já que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão.
HC 82959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 23.02.2006. (HC-82959) CPI: Ato Jurisdicional e Princípio da Separação dos Poderes
Ofende o princípio constitucional da separação e independência dos poderes (CF, art. 2º) a intimação de magistrado para prestar esclarecimentos perante comissão parlamentar de inquérito sobre ato jurisdicional praticado. Com base nesse entendimento, o Tribunal deferiu habeas corpus impetrado contra o requerimento de convocação de magistrada federal para prestar depoimento perante a CPI dos Bingos instaurada pelo Senado Federal, a fim de esclarecer as razões pelas quais concedera liminares em favor de determinada empresa, as quais teriam acarretado prejuízos consideráveis à Caixa Econômica Federal - CEF. Precedente citado: HC 80089/RJ (DJU de 29.9.2000).
HC 86581/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 23.2.2006. (HC-86581) Protocolo Descentralizado e Instância Extraordinária
É aplicável, na instância extraordinária, o sistema de protocolo descentralizado. Com base nesse entendimento, o Tribunal proveu dois agravos regimentais em agravos de instrumento, cujo seguimento fora negado por intempestividade dos respectivos recursos extraordinários, protocolizados, no último dia do prazo legal, perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em setor em que, segundo informação do próprio tribunal, toda a protocolização de recursos é feita. Embora reconhecendo que , no caso, a protocolização se dera no próprio TJSP, entendeu-se oportuno rediscutir-se a questão dos protocolos descentralizados. Considerou-se que a Lei 10.352/2001, introduzindo o parágrafo único do art. 547 do CPC, veio a afastar o óbice da regra anteriormente contida no art. 542 do referido diploma legal ("Recebida a petição pela secretaria do tribunal e aí protocolada, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista para apresentar contra-razões."), que inviabilizava, quanto aos recursos especial e extraordinário, a instituição de protocolos descentralizados (CPC: "Art. 547. ... Parágrafo único. Os serviços de protocolo poderão, a critério do tribunal, ser descentralizados, mediante delegação a ofícios de justiça de primeiro grau.").
AI 476260 AgR/SP e AI 507874 AgR/SP, rel. Min. Carlos Britto, 23.2.2006. (ADI-476260) Remuneração de Servidores e Princípio da Reserva de Lei
Por vislumbrar aparente ofensa aos artigos 37, X; 51, IV e 52, XIII, da CF, de observância obrigatória, que prevêem, respectivamente, que a remuneração de servidores públicos somente pode ser fixada ou alterada por meio de lei específica, e de que compete à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal dispor sobre a fixação da remuneração de seus servidores, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de liminar formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República, para suspender, com eficácia ex tunc, até decisão final da ação, a Resolução 197/2003, o parágrafo único do art. 2º da Resolução 201/2003, os artigos 9º, 10, 13, 14 15, a parte final dos artigos 46, 47, 48, 49 e 50, da Resolução 02/2003, e a parte final do art. 1º da Resolução 204/2003, todos da Câmara Legislativa do DF, que tratam da remuneração de seus servidores. Vencido o Min. Marco Aurélio, que, inicialmente, não conhecia da ação e que, vencido na preliminar, deferia-a com efeitos ex nunc.
ADI 3306 MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.3.2006. (ADI-3306) PRIMEIRA TURMA
Auditoria Militar e Cumulação de Competências
A Lei de Organização Judiciária do Estado de Rondônia não viola o art. 124 da CF/88 ao atribuir a juiz de direito, investido excepcionalmente no cargo de juiz auditor, a competência para processar e julgar feitos criminais genéricos (CF: "Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei."). Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus, em que se pretendia a declaração da incompetência de Vara da Auditoria Militar do Estado de Rondônia para processar acusado pelo crime de estupro. Tendo em conta as peculiaridades da organização judiciária daquele Estado, que instituiu uma espécie de ambivalência funcional, considerou-se que a Justiça Militar Especializada, no caso, não deixa de existir, quando o juiz auditor atua como juiz de direito de uma determinada vara, já que, enquanto órgão, ela permanece com a exclusiva competência de processar e julgar feitos militares. O juiz é que passa a conhecer uma outra função, emparelhada com aquela que desempenha no âmbito da Justiça Militar. Precedentes citados: RHC 84944/RO (DJU de 6.5.2005) e RHC 85025/RO (acórdão pendente de publicação).
RHC 86805/RO, rel. Min. Carlos Britto, 21.2.2006. (RHC-86805) Promoção: Não-Extensão a Inativos
Por ausência de direito líquido e certo, a Turma negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança em que militares inativos do quadro de taifeiros do Ministério da Aeronáutica pretendiam sua inclusão nos quadros de suboficiais e sargentos, Grupamento de Supervisor de Taifa, para ressarcimento de preterição, em igualdade de condições com o pessoal da Armada, com base no art. 1º da Lei 3.953/61 e no art. 44 do Regulamento do Corpo do Pessoal Graduado da Aeronáutica, aprovado pelo Decreto 3.690/2000. Entendeu-se ser impossível a pretensão, já que o referido regulamento só veio a ser editado quando os recorrentes já estavam aposentados, havendo, ademais, previsão expressa, no art. 43, III, do Regulamento de Promoções de Graduados, este aprovado pelo Decreto 881/93, no sentido de estar excluído de qualquer quadro de acesso o graduado que passar à inatividade. Considerou-se, ainda, que a ascensão funcional pleiteada dependeria de diversos requisitos previstos naqueles regulamentos, cuja satisfação não fora demonstrada nos autos, sendo o preenchimento dessas condições absolutamente incompatível com a situação dos recorrentes.
RMS 24835/DF, rel. Min. Eros Grau, 21.2.2006. (RMS-24835) Afastamento de Cargo e Devolução de Remuneração
A Turma deu parcial provimento a recurso ordinário em mandado de segurança para tornar inexigível ordem prolatada pelo Tribunal Superior do Trabalho que, ao dar provimento a recurso administrativo, determinara a devolução de valores recebidos pelo recorrente a título de remuneração pelo período em que exercera o cargo de juiz classista. O acórdão do TST, afastando definitivamente o recorrente do cargo, entendera que ele desrespeitara o art. 661, b, da CLT ao falsamente declarar que teriam sido observadas todas as formalidades previstas na legislação e no estatuto da entidade sindical quanto ao processamento da escolha da lista tríplice de candidatos ao cargo de juiz classista. Reconhecendo-se o fato de que o recorrente efetivamente exercera a função de juiz classista até a data de seu afastamento e considerando-se que o trabalho consiste em valor social tutelado pela Constituição Federal, que sobreleva o direito do recorrente a perceber remuneração pelos serviços prestados até o seu afastamento liminar, por força de decisão monocrática proferida pelo relator do recurso administrativo no TST, entendeu-se que a ordem de devolução dos valores implicaria enriquecimento ilícito pela Administração, a qual estaria revestida, inclusive, de caráter extra petita, haja vista que o recurso interposto tinha por objeto apenas a invalidade do ato de nomeação do juiz classista.
RMS 25104/DF, rel. Min. Eros Grau, 21.2.2006. (RMS-25104) SEGUNDA TURMA
Alegações Finais: Inversão e Direito de Defesa
A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que, rejeitando o alegado constrangimento ilegal, denegara o writ ao fundamento de que o equívoco na inversão de apresentação das alegações finais, posteriormente corrigido pelo magistrado, não acarreta nulidade do julgado, principalmente quando inexiste prejuízo para a defesa. No caso concreto, o escrivão de cartório constatara que a juntada das alegações finais aos autos se dera de forma inversa, em virtude de o juiz ter aberto vista primeiramente à defesa e, após, ao assistente de acusação. Em face disso, determinara-se novo prazo para as alegações finais da defesa, que, entretanto, não foram apresentadas. Por conseguinte, intimara-se o defensor constituído para que ratificasse as alegações já expostas e oferecesse alegações finais também para o co-réu, sob pena de ser-lhe nomeado defensor dativo. Diante da inércia do causídico, a autoridade judiciária nomeara defensor dativo, omitindo-se, todavia, quanto à ratificação ou aditamento daquelas alegações já apresentadas. O defensor dativo, por sua vez, apresentara alegações finais somente para o co-réu, não se manifestando sobre as já constantes dos autos. Preliminarmente, acolheu-se questão de ordem suscitada pelo Min. Gilmar Mendes, relator, no sentido de se invalidar o julgamento realizado em 14.2.2006, porquanto suprimida a possibilidade de realização de sustentação oral por parte da impetrante, devendo, em conseqüência, renovar-se esse mesmo julgamento. Prosseguindo, salientou-se que o direito de defesa constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana e, havendo justo receio de serem tais direitos infringidos, eles devem assumir máxima efetividade na ordem constitucional. Destarte, considerando a constatação da inversão na ordem de apresentação das alegações finais, bem como a inércia dos defensores constituídos, entendeu-se, diante das peculiaridades do caso, ser inadmissível submeter o direito de defesa da paciente aos efeitos da ausência de apresentação de efetiva defesa técnica.
HC 87111/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 21.2.2006. (HC-87111) Novação de Título Prisional: Prejudicialidade e Vários Fundamentos
A Turma deferiu, em parte, habeas corpus impetrado contra decisão monocrática de Ministro do STJ que, tendo em conta a superveniência de sentença penal condenatória recorrível, entendera inteiramente prejudicada igual ação constitucional em virtude da novação do título legitimador da prisão do paciente. No caso, o writ impetrado perante o Tribunal a quo apresentava vários fundamentos, tais como a ilegalidade da prisão cautelar e a suposta ocorrência de flagrante preparado, argumentos esses não examinados. Entendeu-se que a análise da alegada ocorrência do delito de ensaio não estaria superada com a mera prolação da sentença penal condenatória, asseverando-se que eventual constatação do flagrante preparado, ensejará a própria invalidação da persecutio criminis, a teor do disposto no Enunciado da Súmula 145 do STF ("Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação."). HC parcialmente concedido para que a autoridade judiciária ora apontada como coatora prossiga no exame do fundamento pertinente à alegada ocorrência de flagrante preparado, decidindo o writ como entender de direito.
HC 84723/SP, rel. Min. Celso de Mello, 21.2.2006. (HC-84723) Aplicação de Multa e Juízo de Admissibilidade
A Turma recebeu embargos de declaração em agravo regimental em agravo de instrumento para excluir multa por litigância de má-fé (CPC, art. 17) aplicada pelo Presidente do STJ que, em juízo primeiro de admissibilidade, denegara subida de recurso extraordinário por considerá-lo manifestamente protelatório. Entendeu-se que a imposição da multa invade a competência constitucional atribuída ao STF, porquanto a referida sanção deve ser aplicada por aquele que detém o juízo definitivo de admissibilidade do recurso. Asseverou-se, ainda, que o exame de admissibilidade efetuado pelos tribunais inferiores tem natureza provisória e deve limitar-se à analise dos pressupostos genéricos e específicos de recorribilidade do extraordinário.
AI 414648 ED-AgR/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 21.2.2006. (AI-414648)
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Pleno |
22.2.2006 |
23.2.2006 |
15 |
1ª Turma |
21.2.2006 |
-- |
264 |
2ª Turma |
21.2.2006 |
-- |
248 |
C L I P P I N G D O D J
24 de fevereiro de 2006
ADI N. 1.007-PE
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.989/93 DO ESTADO DE PERNAMBUCO. EDUCAÇÃO: SERVIÇO PÚBLICO NÃO PRIVATIVO. MENSALIDADES ESCOLARES. FIXAÇÃO DA DATA DE VENCIMENTO. MATÉRIA DE DIREITO CONTRATUAL. VÍCIO DE INICIATIVA.
1. Os serviços de educação, seja os prestados pelo Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço público não privativo, podendo ser desenvolvidos pelo setor privado independentemente de concessão, permissão ou autorização.
2. Nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição do Brasil, compete à União legislar sobre direito civil.
3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.
* noticiado no Informativo 409
ADI N. 2.751-RJ
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. VEÍCULOS DE TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. LEI 3.756, DE 2002, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
I. - Lei 3.756/2002, do Estado do Rio de Janeiro, que autoriza o Poder Executivo a apreender e desemplacar veículos de transporte coletivo de passageiros encontrados em situação irregular: constitucionalidade, porque a norma legal insere-se no poder de polícia do Estado.
II. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
* noticiado no Informativo 367
ADI N. 2816-SC
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 11.373/00 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ENVIO SIMULTÂNEO, AOS INFRATORES, DE MULTA E FOTO DO MOMENTO DA INFRAÇÃO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.
1. Os Estados-membros detêm competência para a edição de leis sobre procedimentos administrativos.
2. É inconstitucional a interpretação que obriga a instalação do sistema fotossensor em todo o território estadual.
3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado parcialmente procedente.
* noticiado no Informativo 379
ADI N. 3.259-PA
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 6.570/03 DO ESTADO DO PARÁ. SERVIÇOS DE LOTERIAS. REGRAS DE EXPLORAÇÃO. SISTEMAS DE CONSÓRCIOS E SORTEIOS E DIREITO PENAL. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE A MATÉRIA. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. Ao mencionar "sorteios" o texto da Constituição do Brasil está aludir ao conceito de loteria. Precedente.
2. Lei estadual que disponha sobre espécies de sorteios usurpa competência exclusiva da União.
3. Flagrante incompatibilidade entre a lei paraense e o preceito veiculado pelo artigo 22, inciso X, da CB/88.
4. A exploração de loterias constitui ilícito penal. A isenção à regra que define a ilicitude penal da exploração da atividade vinculada às loterias também consubstancia matéria de Direito Penal. Compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal - artigo 22, inciso I, CB/88.
5. Pedido de declaração de inconstitucionalidade procedente.
* noticiado no Informativo 409
MED. CAUT. EM ADI N. 3.578-DF
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: I. Medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade: caso de excepcional urgência, que autoriza a decisão liminar sem audiência dos partícipes da edição das normas questionadas (LADIn, art. 10, § 3º), dada a iminência do leilão de privatização do controle de instituição financeira, cujo resultado poderia vir a ser comprometido com a concessão posterior da medida cautelar.
II. Desestatização de empresas públicas e sociedades de economia mista: alegação de exigência constitucional de autorização legislativa específica, que - contra o voto do relator - o Supremo Tribunal tem rejeitado; caso concreto, ademais, no qual a transferência do controle da instituição financeira, do Estado-membro para a União, foi autorizada por lei estadual (conforme exigência do art. 4º, I, a, da MPr 2.192-70/01 - PROES) e a subseqüente privatização pela União constitui a finalidade legal específica de toda a operação; indeferimento da medida cautelar com relação ao art. 3º, I, da MPr 2.192-70/01, e ao art. 2º, I, II e IV, da L. 9.491/97.
III. Desestatização: manutenção na instituição financeira privatizada das disponibilidades de caixa da administração pública do Estado que detinha o seu controle acionário (MPr 2.192-70/01, art. 4º, § 1º), assim como dos depósitos judiciais (MPr 2.192-70/01, art. 29): autorização genérica, cuja constitucionalidade - não obstante emanada de diploma legislativo federal - é objeto de questionamento de densa plausibilidade, à vista do princípio da moralidade - como aventado em precedentes do Tribunal (ADIn 2.600-MC e ADIn 2.661-MC) - e do próprio art. 164, § 3º, da Constituição - que não permitiria à lei, ainda que federal, abrir exceção tão ampla à regra geral, que é a de depósitos da disponibilidade de caixa da Administração Pública em instituições financeiras oficiais; aparente violação, por fim, da exigência constitucional de licitação (CF, art. 37, XXI); ocorrência do periculum in mora: deferimento da medida cautelar para suspender ex nunc a eficácia dos arts. 4º, § 1º, e 29 e parágrafo único do ato normativo questionado (MPr 2.192/70/01).
* noticiado no Informativo 401
MED. CAUT. EM AR N. 1.734-DF
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: LIMINAR EM AÇÃO RESCISÓRIA.
Ação rescisória fundada no art. 485, V e IX, do Código de Processo Civil, contra acórdão prolatado no julgamento do RMS 23.657 (concurso para fiscal do Trabalho de 1994 - cadastro de reserva).
Possibilidade de concessão de liminar em ação rescisória para assegurar o resultado útil da ação. Precedentes.
Referendo, por maioria, de decisão monocrática que deferira o pedido de medida liminar para sustar os efeitos da decisão rescindenda.
HC N. 85.144-SC
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. QUESITOS FORMULADOS EM SÉRIES DISTINTAS. CRIMES DIVERSOS. RESPOSTAS CONTRADITÓRIAS. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. EXECUÇÃO DA PENA CONDICIONADA AO TRÂNSITO EM JULGADO. RECURSO DE APELAÇÃO EXCLUSIVO DA DEFESA. REFORMATIO IN PEJUS.
1. Crime de homicídio duplamente qualificado. Quesitos de séries distintas, cujas respostas negaram, de um lado, a tese de legítima defesa putativa, sustentada com esteio no depoimento da única testemunha presencial e, de outro, o crime de falso testemunho atribuído a ela em razão de seus depoimentos discrepantes.
2. O único quesito da segunda série, relativo ao crime de falso testemunho, não tem relação com os quesitos da primeira série, especificamente o que afastou a tese de legítima defesa putativa. Não há, assim, que se falar em nulidade decorrente de respostas contraditórias.
3. Constando da sentença que a execução está condicionada ao trânsito em julgado, fica vedada a expedição do mandado de prisão em decorrência do não-provimento do recurso de apelação exclusivo da defesa.
Ordem concedida, parcialmente.
RE N. 262.673-MG
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PREQUESTIONAMENTO - CONFIGURAÇÃO - RAZÃO DE SER. O prequestionamento não resulta da circunstância de a matéria haver sido argüida pela parte recorrente. A configuração do instituto pressupõe debate e decisão prévios pelo Colegiado, ou seja, emissão de juízo sobre o tema. O procedimento tem como escopo o cotejo indispensável a que se diga do enquadramento do recurso extraordinário no permissivo constitucional. Se o Tribunal de origem não adotou entendimento explícito a respeito do fato jurígeno veiculado nas razões recursais, inviabilizada fica a conclusão sobre a violência ao preceito evocado pelo recorrente.
PROVENTOS - REDUÇÃO - CONTRIBUIÇÃO - TRIBUTOS. A incidência de tributos não implica a redução dos proventos da aposentadoria, ficando afastada a possibilidade de se concluir pela violência ao princípio da irredutibilidade.
RE N. 441.318-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
POLÍTICA JUDICIÁRIA - MACROPROCESSO - ESTÍMULO. Tanto quanto possível, considerado o direito posto, deve ser estimulado o surgimento de macroprocesso, evitando-se a proliferação de causas decorrentes da atuação individual.
LEGITIMIDADE - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - CARTÕES DE CRÉDITO - PROTEÇÃO ADICIONAL - DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. O Ministério Público é parte legítima na propositura de ação civil pública para questionar relação de consumo resultante de ajuste a envolver cartão de crédito.
* noticiado no Informativo 407
RHC N. 84.308-MA
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: I. Habeas corpus: crime de latrocínio praticado por índio: competência da Justiça estadual: precedente: HC 80.496, 1ª T., 12.12.2000, Moreira, DJ 06.04.2001.
II. Instrução processual e cerceamento de defesa: infração penal praticada por indígena: não realização de perícias antropológica e biológica: sentença baseada em dados de fato inválidos: nulidade absoluta não coberta pela preclusão.
1. A falta de determinação da perícia, quando exigível à vista das circunstâncias do caso concreto, constitui nulidade da instrução criminal, não coberta pela preclusão, se a ausência de requerimento para sua realização somente pode ser atribuída ao Ministério Público, a quem cabia o ônus de demonstrar a legitimidade ad causam dos pacientes.
2. A validade dos outros elementos de fato invocados pelas instâncias de mérito para concluírem que os pacientes eram maiores de idade ao tempo do crime e estavam absolutamente integrados é questão passível de exame na via do habeas corpus.
3. A invocação de dados de fato inválidos à demonstração da maioridade e do grau de integração dos pacientes, constitui nulidade absoluta, que acarreta a anulação do processo a partir da decisão que julgou encerrada a instrução, permitindo-se a realização das perícias necessárias.
III. Prisão preventiva: anulada a condenação, restabelece-se o decreto da prisão preventiva antecedente, cuja validade não é objeto dos recursos.
* noticiado no Informativo 413
RHC N. 86.681-DF
RELATOR: MIN. EROS GRAU
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE ARMA. VACATIO LEGIS TEMPORÁRIA. ABOLITIO CRIMINIS. INOCORRÊNCIA.
1. Os artigos 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento referem-se a possuidores e proprietários de armas de fogo. O artigo 29 e seu parágrafo único dispõem sobre a autorização para o porte de arma de fogo. Aos possuidores e proprietários a lei faculta, no artigo 30, a regularização, mediante comprovação da aquisição lícita, no prazo assinalado. O artigo 32 obriga, aos que não puderem demonstrar a aquisição lícita, a entrega da arma à Polícia Federal, no prazo que estipula.
2. O artigo 29 e seu parágrafo único, da Lei n. 10.826/2003, dizem respeito às pessoas autorizadas a portar armas de fogo. Dispõem sobre o término das autorizações já concedidas (caput) e a propósito da renovação (parágrafo único), desde que atendidas as condições estipuladas nos seus artigos 4º, 6º e 10.
3. O prazo legal estipulado para regularização das autorizações concedidas não configura vacatio legis, do que decorreria a abolitio criminis temporária, no que tange ao crime de porte de arma de fogo por pessoa não autorizada.
4. A vingarem as razões recursais, chegar-se-ia ao absurdo de admitir, no prazo fixado para regularização das autorizações, o porte de arma de fogo por pessoas e entidades não arroladas nos incisos I a IX do artigo 6º da Lei n. 10.826/2003.
Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.
* noticiado no Informativo 412
RE N. 313.060-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
LEIS 10.927/91 E 11.262 DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. SEGURO OBRIGATÓRIO CONTRA FURTO E ROUBO DE AUTOMÓVEIS. SHOPPING CENTERS, LOJAS DE DEPARTAMENTO, SUPERMERCADOS E EMPRESAS COM ESTACIONAMENTO PARA MAIS DE CINQÜENTA VEÍCULOS. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. O Município de São Paulo, ao editar as Leis l0.927/91 e 11.362/93, que instituíram a obrigatoriedade, no âmbito daquele Município, de cobertura de seguro contra furto e roubo de automóveis, para as empresas que operam área ou local destinados a estacionamentos, com número de vagas superior a cinqüenta veículos, ou que deles disponham, invadiu a competência para legislar sobre seguros, que é privativa da União, como dispõe o art. 22, VII, da Constituição Federal.
2. A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. O legislador constituinte, em matéria de legislação sobre seguros, sequer conferiu competência comum ou concorrente aos Estados ou aos Municípios.
3. Recurso provido.
* noticiado no Informativo 411
RE N. 361.829-RJ
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. LEI COMPLEMENTAR: LISTA DE SERVIÇOS: CARÁTER TAXATIVO. LEI COMPLEMENTAR 56, DE 1987: SERVIÇOS EXECUTADOS POR INSTITUIÇÕES AUTORIZADAS A FUNCIONAR PELO BANCO CENTRAL: EXCLUSÃO.
I. - É taxativa, ou limitativa, e não simplesmente exemplificativa, a lista de serviços anexa à lei complementar, embora comportem interpretação ampla os seus tópicos. Cuida-se, no caso, da lista anexa à Lei Complementar 56/87.
II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
III. - Ilegitimidade da exigência do ISS sobre serviços expressamente excluídos da lista anexa à Lei Complementar 56/87.
IV. - RE conhecido e provido.
* noticiado no Informativo 413
Acórdãos Publicados: 315
C L I P P I N G D O D J
3 de março de 2006
HC N. 83.545-SP
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: SENTENÇA PENAL. Capítulo decisório. Condenação. Pena privativa de liberdade. Reclusão. Fixação. Soma dos fatores considerados na dosimetria. Erro de cálculo. Estipulação final de pena inferior à devida. Trânsito em julgado para o Ministério Público. Recurso de apelação da defesa. Improvimento. Acórdão que, no entanto, aumenta de ofício a pena, a título de correção de erro material. Inadmissibilidade. Ofensa à proibição da reformatio in peius. HC concedido para restabelecer o teor da sentença de primeiro grau. Não é lícito ao tribunal, na cognição de recurso da defesa, agravar a pena do réu, sob fundamento de corrigir ex officio erro material da sentença na somatória dos fatores considerados no processo de individualização.
* noticiado no Informativo 411
RE N. 392.559-RS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Recurso Extraordinário. 2. Serviço prestado antes do advento da Lei no 9.032, de 1995. Caracterização como especial. Atividade insalubre prevista nos Decretos nos 53.831, de 1964 e 83.080, de 1979. Desnecessidade do laudo exigido pela citada lei. 3. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
* noticiado no Informativo 415
Acórdãos Publicados: 269
T R A N S C R I Ç Õ E S
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Imunidade Parlamentar e Enunciado da Súmula 3 do STF (Transcrições)
(v. Informativo 413)
RE 456679/DF*
RELATOR: MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE
Relatório: O recorrido, Deputado Distrital [...]**, foi preso em flagrante delito, sob a acusação da prática de crimes de formação de quadrilha, corrupção passiva, parcelamento irregular do solo urbano e lavagem de dinheiro.
Posteriormente, o TRF/1ª Região decretou sua prisão preventiva e confirmou o auto de prisão em flagrante que, no entanto, foi posteriormente relaxado, por decisão da Câmara Distrital, conforme a Resolução n. 196/03.
Impetrou-se então habeas corpus ao STJ, alegando que o auto de prisão em flagrante e o decreto da prisão preventiva são nulos, pois infringem os preceitos inscritos nos arts. 53, § 2º; 27, § 1º; e 32, § 3º, todos da Constituição.
Quanto ao flagrante, sustentou-se que, além de não estarem preenchidos os pressupostos do art. 5º, LXI, da Constituição, os supostos crimes atribuídos ao Deputado eram afiançáveis.
Alegou-se ainda a impossibilidade de decretar-se a prisão preventiva do Deputado, bem como a ausência de motivação cautelar idônea.
O Superior Tribunal de Justiça deferiu a ordem, considerando que a questão concernente ao flagrante estaria superada pelo superveniente deliberação da Câmara Distrital, que relaxou a prisão.
Após invocar o Inq 510, Pleno, Celso de Mello, DJ 19.4.91, decidiu o STJ que a prisão preventiva, no caso, não possui amparo constitucional e, por isso, a revogou.
Donde o RE, do Ministério Público Federal (f. 16/22).
As contra-razões, da lavra do Il. Advogado Nabor Bulhões, expõem o caso e aduzem (f. 324-9):
"(...)
Para o recorrente, o acórdão recorrido teria violado "as normas contidas nos dispositivos constitucionais apontados, na medida que considerou como irrestrita a imunidade formal conferida aos parlamentares estaduais, quando, na verdade, tal instituto restringe-se ao âmbito de atuação de seu mandato, ou seja, a crimes que atinjam bens ou interesses estaduais ou distritais, já que essa garantia constitucional qualifica-se como condição e instrumento de independência do Poder Legislativo local".
Prossegue dizendo que "O constituinte originário, ao inserir a norma do art. 27, § 1º, na Constituição Federal não pretendeu que essa imunidade fosse ampla, podendo ser invocada em face de crimes cometidos por parlamentar estadual que atinjam bens ou interesses da União, mas que tenham limite no âmbito de sua representação política!".
Acresce que esse entendimento teria sido, inclusive, sumulado pela Suprema Corte, "dando origem à Súmula n. 3, que, embora em desuso, não foi cancelada", sendo esse o seu teor: "A imunidade concedida a Deputados Estaduais é restrita à Justiça do Estado".
(...)
Concessa vênia, não assiste qualquer razão ao Ministério Público Federal, porquanto a matéria questionada encontra-se resolvida por texto constitucional expresso, como destacado, aliás, pelo v. acórdão injustamente impugnado.
Como ressabido, dentre as prerrogativas de caráter político-institucional irrenunciáveis que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em defesa da independência do Poder Legislativo e dos que o integram, seja no âmbito federal, seja no âmbito estadual ou distrital, destaca-se o instituto da imunidade parlamentar, que se projeta em duas dimensões de induvidoso relevo jurídico, com a seguinte configuração após a edição da Emenda Constitucional nº 35/2001:
- A primeira, de natureza material (imunidade parlamentar material), a consagrar a inviolabilidade dos membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas Estaduais e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, por suas opiniões, palavras e votos (art. 53, caput, c/c os arts. 27, § 1º, e 32, § 3º, todos da Constituição Federal); e
- A segunda, de caráter formal (imunidade parlamentar formal), a gerar o estado de relativa incoercibilidade pessoal dos membros do Poder Legislativo Federal, Estadual e Distrital (freedom from arrest), pelo que só poderão eles sofrer prisão provisória ou cautelar numa única e singular hipótese: situação de flagrância em crime inafiançável (art. 53, § 2º, c/c os arts. 27, § 1º, e 32, § 3º, todos da Constituição Federal).
Esse, aliás, é o entendimento desde sempre proclamado pelo Supremo Tribunal Federal - Corte incumbida de dizer de forma terminante o direito constitucional (art. 102, I, a e III, a, b e c e § 1º da CF) -, como se vê do julgamento de questão incidente do Inquérito nº 510-DF, de que foi relator perante o Plenário o eminente Ministro CELSO DE MELLO.
Assim, ao proferir o voto condutor do aresto unânime da Suprema Corte naquela questão incidental, destacou o em. relator, em comentário ao art. 53 da Constituição Federal, que as "prerrogativas de caráter político-institucional que inerem ao Poder Legislativo e aos que o integram" são irrenunciáveis e consubstanciam tradição consolidada "ao longo da evolução de nossa história constitucional republicana (CF de 1891, arts. 19/20; CF de 1934, arts. 31/32; CF de 1937, arts. 42/43; CF de 1946, arts. 44/45; CF de 1967, art. 34; CF de 1969, art. 32; CF de 1988, art. 53)" - RTJ 135/509-515.
É certo que, na vigência da Constituição Federal de 1946 (arts. 44 e 45), sob cuja vigência o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 3, essas prerrogativas de caráter político-institucional só alcançavam o Poder Legislativo Federal, vale dizer, os Deputados Federais e os Senadores da República. Daí porque as Constituições estaduais cuidaram de estabelecer, em prol dos Deputados Estaduais, prerrogativas idênticas às instituídas pela Constituição Federal em prol dos Parlamentares Federais.
De conseqüência, enquanto vigeu esse modelo, a Suprema Corte sempre entendeu que as prerrogativas político-institucionais instituídas pelas Constituições estaduais em favor dos Deputados às Assembléias Legislativas Estaduais se limitavam ao âmbito dos próprios Estados, como adverte ROBERTO ROSAS em seu consagrado Direito Sumular
(...)
Não é o que ocorre com o advento da Constituição Federal de 1988 que, em seus arts. 27, § 1º, e 32, § 3º, determinou expressamente que se aplicam aos Deputados Estaduais e aos Deputados Distritais "as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos ...", revogando com isto a Súmula nº 3 do Supremo Tribunal Federal, editada à época em que as inviolabilidades e imunidades daqueles agentes políticos decorriam das Constituições estaduais.
Bem por isso, e com absoluta razão, a eg. Quinta Turma do STJ invocou como aplicável à espécie o aresto unânime com que o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou a questão incidente no Inquérito nº 510-DF, de que foi relator o em. Ministro CELSO DE MELLO, tendo por objeto as prerrogativas político-institucionais asseguradas aos parlamentares pela Constituição Federal (art. 53, § 2º). Não poderia ser diferente, já que a própria Constituição Federal manda aplicar essas prerrogativas aos Deputados Estaduais e aos Deputados Distritais (arts. 27, § 1º e 32, § 3º).
Essa também é a conclusão de ROBERTO ROSAS, ao concluir seus comentários sobre a Súmula nº 3 do STF: "A Constituição de 1988 manda aplicar as suas regras sobre imunidade aos deputados estaduais (art. 27, § 1º); logo, ampliou as imunidades, além dos limites da Súmula" (ob. cit., pág. 13)."
É o relatório.
Voto: A questão impõe algumas considerações, que trouxe ao Plenário no Inq 316, Néri, 11.12.91, DJ 28.9.01, cujo julgamento, contudo, não se concluiu, dado que, antes de seu término, cessara a competência do Tribunal.
I
Extrato do voto que então proferi, que se referia a Deputado Estadual:
Certo, ao tempo do fato, e cuidando-se de um Deputado Estadual - além de a Constituição do Paraná ainda excluir, então, do âmbito da inviolabilidade, os crimes contra a honra (art. 12) - as imunidades parlamentares, segundo se assentou na Súmula 3, não eram oponíveis à jurisdição federal, incluída, a da Justiça Eleitoral.
Todavia, estou em que a situação se inverteu, sob ambos os prismas, com o advento da Constituição de 1988 (art. 27, § 1º) que, ela própria, tornou aplicáveis, sem restrições aos das Assembléias Legislativas dos Estados, as normas sobre imunidades parlamentares dos integrantes do Congresso Nacional.
Convenci-me de que a tese da Súmula 3 ficou efetivamente superada com a inovação constitucional, que não tem precedentes no texto das anteriores Constituições da República.
É sabido, aliás, que, no Brasil, curiosamente, no tema das imunidades parlamentares, a Federação, com a autonomia dos Estados-membros, acabara - segundo a jurisprudência vitoriosa da Corte -, por situar os deputados estaduais em situação mais precária que a dos membros das Assembléias Provinciais do Império unitário.
A esses últimos, com efeito, o Ato Adicional de 1834 fizera "invioláveis pelas opiniões que emitirem no exercício de suas funções" (art. 21): e a imunidade sobreviveu à sístole centralizadora da Lei de Interpretação de 1840.
Deu-se que, na República, na linha do modelo norte-americano, a Constituição de 1891 calou sobre as imunidades dos deputados estaduais: silêncio que, até 1988, os sucessivos documentos constitucionais mantiveram.
A omissão das Constituições Federais alimentou polêmica revivida sob cada uma delas (cf. para a resenha das questões suscitadas a propósito, v.g., Barbosa Lima Sobrinho, As Imunidades dos Deputados Estaduais, ed. Rev. Br. Est. Políticos, BH, 1966, 79 ss.; Raul Machado Horta, Imunidades Parlamentares, Rev. Inf. Legislativa, 16/41,57; J. Flósculo da Nóbrega, "As imunidades Parlamentares e as Constituições Estaduais, Rev. Forense, 115/32; Antônio E. Caccuri, "Imunidades Parlamentares", Rev. Inf. Legislativa, 75/45,65).
Poucos, é certo, são os que extraíram, da mudez constitucional a respeito, a inadmissibilidade da concessão de quaisquer imunidades aos parlamentares estaduais (v.g., Flósculo da Nóbrega, ob. loc. cits.,; Antônio E. Caccuri, ob. loc. cits.).
No extremo oposto, vozes autorizadíssimas defenderam que as imunidades, porque inerentes ao livre exercício do mandato legislativo, e, pois, essencial à independência do Poder, constituiam princípio constitucional de observância compulsória no regime de poderes do Estado-membro (v.g., Ruy Barbosa, apud Leitão de Abreu, RTJ 95/107; Carlos Maximiliano, "Comentários à Constituição Brasileira, 1928, p. 301; Castro Nunes, As Constituições Estaduais no Brasil, 1922, p. 27).
No início da República, essa doutrina prevaleceu na jurisprudência da Corte, como testemunhado por Pires e Albuquerque, ainda Juiz Federal, em despacho publicado na RFor. XXV/124:
"Em uma longa série de acórdãos, entre os quaes o que foi proferido nesta própria causa e se encontra a fls. dos autos, o Egrégio Supremo Tribunal tem firmado o princípio de que são obrigatórias para a Justiça Federal, quando haja de processar e julgar os representantes dos poderes políticos estadoaes, as normas estabelecidas nas respectivas constituições para regular a matéria das immunidades.
Tem-se entendido mesmo que estas immunidades, constituindo um systema destinado a assegurar a independência recíproca dos três órgãos da soberania, interessam de tal sorte a essencia do regimen que não é lícito aos Estados, em face do art. 63, omittil-as nas suas organizações"
Confiram-se alguns julgados dessa primeira fase (HC 3.513, 4.4.14, M Murtinho, RFor. XXII/304; HC 4.522, 11.5.18, Coelho e Campos, RFor. XXXII/189; HC 16.246, 18.9.25, Viveiros de Castro, RFor. XLVIII/408, estes, já concedido, com a soma de outros fundamentos, dada a dispersão dos votos majoritários).
Posteriormente, contudo, ainda antes de 1930, a orientação da Casa mudou de rumo, para reputar não automática a extensão aos parlamentares estaduais do modelo federal, ainda que legítima a decisão autonômica do constituinte local, que o imitasse total ou parcialmente.
Não obstante a tese da compreensão extensiva aos Estados do regime federal de imunidades parlamentares continuasse a ter, na Casa, votos do maior peso - assim Hermenegildo de Barros (Arch. Jud., II/414; Viveiros de Castro, RFor XLVIII/409; Castro Nunes, RFor., 120/213, 216; Anibal Freire, RFor. 120/213, 224; RDA 17/215,224) e sobretudo Hahnemann Guimarães (RFor. 120/213, 214ss.; RDA 17/215, 221) - o certo é que a tese intermediária referida - que começa a afirmar-se com voto vencido de Pedro dos Santos, no HC 16.246 (RFor. XLVIII/409) - subsistiu incólume, desde a virada da jurisprudência - situada por Raul Machado Horta (ob. loc. cits., p. 79) no RCr 552, de 9.7.26, Heitor de Souza (Arch. Jud., II/414) - até o regime constitucional decaído de 69 (v.g., HC 29.866, 27/8/47, Ribeiro da Costa, RDA 17/215 e Arch Jud., LXXV/481). Já quase ao final dele - embora contra quatro votos, que se punham na linha de Hahnemann - Décio Miranda, Cunha Peixoto, Xavier de Albuquerque e Leitão de Abreu, o último, com voto sem favor antológico (RTJ 95/96, 104) -, o Tribunal a reafirmou - HC 57.173, 24.10.79, Cordeiro Guerra, RTJ 95/96: à base de que a "imunidade dos deputados federais não é automaticamente deferida aos deputados estaduais", a maioria negou que devesse aproveitar, a membros de Assembléia Legislativa, a EC 11/78, que cancelara, do art. 32 da Carta de então, a cláusula que excluía os crimes contra a honra do âmbito da imunidade material dos congressistas.
Ora - aqui o ponto fundamental no caso presente -, estreita é a conexão entre essa premissa central e o assentado na Súmula 3, a teor da qual "a imunidade concedida a deputados estaduais é restrita à Justiça do Estado".
Certo, jurista de grande e merecida autoridade, Raul Machado Horta (ob. loc. cits.) dissocia os dois problemas: malgrado entender que "Os dispositivos sobre imunidades, nas Constituições Estaduais, dispõem da natureza de normas autônomas em relação às quais "não ocorre vinculação obrigatória entre Constituição Federal e Constituição Estadual" (Rev. cit., 16/58)- até aí, pois, conforme à jurisprudência do STF -, dela dissente o renomado mestre de Minas para sustentar que, uma vez asseguradas nas Constituições locais, "As imunidades dos Deputados Estaduais, decorrendo do exercício de competência constitucional do Estado-membro, sem afronta aos princípios da Constituição Federal, são, portanto, oponíveis às autoridades federais"(Rev. cit., 16/63).
Sob a ótica da jurisprudência da Corte, entretanto, a inoponibilidade à jurisdição da União das imunidades do deputado estadual, depois consagrada na Súmula 3, sempre esteve, histórica e logicamente, vinculada à premissa de não constituírem elas decorrência da Constituição Federal, mas, sim, de decisão autônoma do constituinte local, por isso, sem força bastante para criar embaraço ao exercício da competência constitucional dos poderes centrais.
Assim, é clara a associação entre a doutrina da sua fonte local e o alcance limitado das imunidades dos deputados estaduais na interpelação de Pires e Albuquerque, à época em que se firmava a mudança do entendimento do Tribunal (apud Barbosa Lima Sobrinho, ob. cit., p. 92):
"Admitis que uma Lei ordinária, que uma Constituição ou uma Lei local tenha poder de subtrair da jurisdição do Poder Judiciário Federal, nos casos de sua competência constitucional, outras pessoas, além daquelas que a Própria Constituição excetuou? Admitis que uma Lei ordinária, uma Constituição ou Lei estadual possa subordinar o exercício da função jurisdicional do Poder Judiciário Federal ao cometimento de uma autoridade federal ou local?".
Também em Muniz Barreto fica clara a conexão entre os dois problemas, na passagem do RecCr 427, também citada por Barbosa Lima Sobrinho (ob. cit., p. 92), quando se reafirmava que, tratando-se "de crime sujeito constitucionalmente à jurisdição do Judiciário Federal e qualquer que seja o lugar em que a infração haja ocorrido esse órgão da soberania nacional não pode ter a lhe estorvar a função julgadora dispositivo de lei estadual, ainda que emanada de autoridade constituinte ...".
Tempos depois, no HC 30.256, de 20.4.48, o voto de Orozimbo Nonato demonstrava como o seu dissenso com Hahnemann, quanto à premissa da fonte da imunidade dos legisladores locais, é que levava à conseqüência de negar-lhes eficácia em relação à Justiça Federal (RFor. 120/213, 223):
"... a imunidade parlamentar, - encontra entre os publicistas calorosos elogistas e pindarizadores (...).
Não o tenho a esse privilégio, como conseqüência necessária do princípio da harmonia e independência dos poderes, embora ele se explique e justifique amplamente.
Estou plenamente convencido de que se trata de um princípio natural ao regime sem alçar-se, porém, logicamente, a categoria de necessário, virtual ou implícito.
Deve constar, pois, como no art. 45 da Constituição, do texto legal e expresso. Sem a sua tradução em texto de lei, não existiria por derivação necessária do sistema constitucional. O eminente Sr. Ministro HAHNEMANN GUIMARÃES, cujo luminoso voto suscitou a elevada réplica do preclaro Sr. Ministro CASTRO NUNES, coloca o problema em outros termos. Entende S. Excia, que essa imunidade é, por assim dizer, adesa ao exercício do mandato legislativo e em todos os seus ramos, em todas as suas manifestações, assim na vida federal, como na vida estadual e até na vida municipal.
Guardo, nesse particular, pesarosamente, divergência "ex diametro", quando S. Excia. entende que se trata de privilégio que resulta necessariamente do regime.
Ora, o art. 45 só atribuiu, especificamente, ao Congresso Nacional essa imunidade, conferindo-a desde a expedição do diploma, até a inauguração, da legislatura seguinte. Não ampliou, entretanto, o privilégio aos deputados estaduais, sequer, e muito menos ainda aos vereadores, que fazem obra de legislação através de dispositivos de âmbito simplesmente municipal.
Já se admitiu que as Constituições estaduais, possam também outorgar a imunidade aos deputados estaduais. Mas, este colégio judiciário já decidiu, aliás com brilhantes votos divergentes, que essa imunidade não se alteia até a órbita dos poderes federais, não assoberba a atividade dos órgãos federais. Contra os votos de eminentes colegas, foi assim, deliberado e, a meu ver, e, "data venia", dos que votaram de modo contrário, com acerto, em face dos motivos enunciados".
No pólo oposto, também os votos de Hahnemann Guimarães deixam explícito que a extensão que empresta às imunidades a todas as órbitas da Federação parte do pressuposto de que elas são corolário essencial do regime, como estruturado pela própria Constituição Federal. Recorde-se, no HC 29.866 - em que a questão era exatamente a oponibilidade das imunidades de um Deputado Estadual à Justiça Militar da União, negada pela maioria - essa passagem de meridiana clareza do seu voto vencido (Arch. Jud. LXXXV/481, 487):
"Trata-se é de verificar se a disposição do art. 45 deve ou não ser estendida aos representantes estaduais. Trata-se de uma interpretação extensiva.
Ainda não existisse a disposição do art. 17 da Constituição Mineira, a mim se afigura que era indiscutivelmente devida aos deputados a garantia estabelecida no art. 45 para os membros das Casas do Congresso Nacional. Trata-se de uma interpretação extensiva apenas. A garantia que o art. 45 outorga é uma garantia para o exercício da função legislativa. Esta, quer exercida na Câmara dos Deputados, quer no Senado, quer na Assembléia Legislativa, é a mesma. Exerce-se o mesmo poder. O poder é o mesmo, essencialmente. Não há diferença qualificativa quanto à função legislativa exercida nas Casas do Congresso Nacional e a função legislativa exercida nas Assembléias estaduais. A função é a mesma, essencialmente. Quantitativamente, pode ser diversa.
Ora, se a Constituição confere à função legislativa a imunidade contra a prisão, contra o processo, nos termos do art. 45; se esta imunidade é a garantia do exercício do próprio Poder Legislativo, porque não se há de conceder este privilégio aos membros do Poder Legislativo estadual por uma interpretação extensiva, que se impõe até de acordo com a tradição do nosso Direito, que vem desde os primeiros ímpetos da descentralização, já sentida durante o próprio Império?"
De tudo isso, creio lícito afirmar que a doutrina da Súm. 3 tem por suporte necessário que o reconhecimento aos deputados estaduais das imunidades dos congressistas, desde o primeiro sistema republicano, não derivava necessariamente da Constituição Federal, mas decorreria de decisão autônoma do constituinte local.
Se, ao contrário, na Constituição de 1988, por mandamento explícito do art. 27, § 1º, aos deputados estaduais se aplicam as regras, nela contidas, sobre imunidades dos membros do Congresso Nacional, a conseqüência é inelutável: a Súmula 3, que era um corolário, há de cair por força do desaparecimento da premissa constitucional de que derivava.
Um apelo ao direito comparado reforça a conclusão. Uma única constituição federal precedeu a brasileira vigente na declarada extensão das imunidades ao Legislativo dos Estados-membros, a Constituição de Weimar (arts. 36 a 38). Esse dispositivo - testemunha Alcino Pinto Falcão ("Da Imunidade Parlamentar", p. 61, apud Barbosa Lima Sobrinho, ob. cit., p. 84) - "vinculava as autoridades federais e as dos outros Estados, todas devendo aos deputados do Estado particular um tratamento correspondente ao dos deputados federais. Ambas as Constituições em vigor, hoje, na dividida Alemanha, silenciam sobre os deputados estaduais. Daí as respectivas Constituições dos diversos Laender consignarem, em termos particulares e nem sempre iguais, imunidades para os respectivos deputados. A validade dessas imunidades é reconhecida" - conclui, "mas o seu âmbito de eficácia e contra quem eficazes é que dá margem à dúvida".
A evolução brasileira tomou o caminho inverso. Na Alemanha, o silêncio da Lei Fundamental de Bonn tornou problemática a solução que o texto expresso de Weimar fazia indiscutível; aqui, ao contrário, a mesma controvérsia gerada pela omissão das cartas anteriores - e resolvida, na jurisprudência, pela Súmula 3 -, ficou superada com a norma de extensão aos estaduais das imunidades dos parlamentares federais, que induz agora à resposta contrária à daquela orientação jurisprudencial.
II
Finalmente, não tenho dúvida de que a inovação constitucional traduz lei penal mais favorável ao acusado, de conseqüente eficácia retroativa, de modo a cobrir o fato anterior com o manto da imunidade material.
Certo, ainda não se entenderam os penalistas quanto à natureza jurídica da inviolabilidade parlamentar. O Prof. Antônio Edwing Caccuri, da Universidade de Londrina, dá resenha precisa da divergência doutrinária (ob. cit., Rev. Inf. Leg., 73/54):
"Controverte-se bastante sobre a natureza jurídica da imunidade material. PONTES DE MIRANDA, NELSON HUNGRIA e JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO entendem-na como uma causa excludente de crime e, semelhantemente, BASILEU GARCIA, como causa que se opõe à formação do crime; HELENO CLÁUDIO FRAGOSO considera-a causa pessoal de exclusão de pena; DAMÁSIO DE JESUS, causa funcional de exclusão ou isenção de pena; ANÍBAL BRUNO, causa pessoal e funcional de isenção de pena; VICENTE SABINO JÚNIOR, causa de exclusão de criminalidade; MAGALHÃES NORONHA, causa de irresponsabilidade; JOSÉ FREDERICO MARQUES, causa de incapacidade penal por razões políticas".
Não importa aqui tomar posição na polêmica: seja qual for a natureza da inviolabilidade - excludente da própria criminalidade do fato, da responsabilidade do agente ou da simples punibilidade do crime -, o certo é que, na medida em que incide sobre as conseqüências penais de um fato típico, para excluí-las, em relação ao denunciado: cuida-se, pois, de norma penal nova e mais favorável, o que leva à extinção da punibilidade, tomada a abolitio criminis, no art. 107, III, C. Penal, com o sentido lato que o art. 5º, XL, da Constituição Federal impõe.
(...)."
II
Pelos mesmos fundamentos, Sr. Presidente, considerando superada a Súmula 3, e com base no art. 53, § 2º c/c os arts. 27, § 1º, e 32, § 3º, da Constituição, nego provimento ao recurso: é o meu voto.
* acórdão pendente de publicação
**nome suprimido pelo Informativo
ADPF e Princípio da Subsidiariedade (Transcrições)
ADPF 76/TO*
RELATOR: MINISTRO GILMAR MENDES
DECISÃO: Trata-se do pedido de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 76-TO, ajuizado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. A ADPF funda-se em suposta violação, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins (TJTO), da previsão do "quinto constitucional" constante do art. 94 e parágrafo único, da Constituição Federal, e do art. 47, inciso II, da Constituição tocantinense. A inicial (fls. 2-21) narra que:
"2.1.1 Quando o Tribunal de Justiça do Tocantins se instalou, contava com (07) Desembargadores, dentre os quais, segundo os critérios de provimento então adotados, abrigava dois integrantes do quinto Constitucional, no caso, os Desembargadores Antonio Felix Gonçalves e Amado Cilton Rosa, representantes dos Advogados e do Ministério Público, respectivamente.
2.1.2 Outrossim com o advento da Lei Complementar n. 16, de 13 de novembro de 1998, foram criadas quatro (04) vagas, as quais foram destinadas somente a integrantes da magistratura, passando, contudo, de sete (07) Desembargadores para onze (11) a composição do Tribunal de Justiça do Tocantins, sendo o Desembargador Luiz Aparecido Gadotti, o décimo primeiro nomeado, o qual exercia a função de Juiz de Direito na comarca de Colinas do Tocantins.
2.1.3. A nomeação do Desembargador Luiz Aparecido Gadotti foi respaldada no parágrafo único do artigo 75, da Lei Orgânica da Magistratura Tocantinense (Lei Complementar n. 10/1.996), a qual permitia que o Juiz de Direito que figurasse dentro do quinto das vagas existentes na 3ª. Entrância pudesse concorrer ao Tribunal. Antes, poderiam figurar na lista apenas os que estivessem no quinto das vagas ocupadas, e não das existentes.
2.1.4 Embora o Magistrado Luiz Aparecido Gadotti estivesse fora do quinto convencional (ou seja, entre os 20% dos juízes de 3ª Entrância em atividade) foi contemplado nesse chamado 'quinto fictício'. Essa situação, levou a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) a ajuizar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.970/99, questionando a constitucionalidade do parágrafo único do art. 75, da Lei Orgânica da Magistratura Tocantinense (Lei Complementar n. 10, de 11 de janeiro de 1996).
2.1.5. O Relator da multicidada Ação Direta de Inconstitucionalidade - Ministro Nelson Jobim -, após ouvir a Assembléia Legislativa e o Governador do Estado do Tocantins, levou o assunto ao Plenário, e o Supremo Tribunal Federal, em 1º de julho de 1999, por unanimidade, deferiu o pedido de liminar, para suspender, até decisão final da ação direta, a eficácia do parágrafo único do art. 75, da Lei Complementar n. 10, de 11/1/1996, com a redação dada pelo art. 1º, da Lei Complementar n. 16, de 13/11/1998.
(...)
2.1.7 ... . Neste meio tempo, foi revogada a Lei que acrescentara o parágrafo único ao art. 75 da Lei Complementar n. 10, e o Presidente da Assembléia Legislativa comunicou o fato ao Supremo Tribunal Federal, requerendo que não fosse julgado o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade, requerimento esse acatado pelo Ministro Relator, pois o pedido estava prejudicado por perda de objeto (a Lei questionada não existia mais)." (fls. 6/9)
(...)
[E continua, a argüente:]
2.3.1 Até a vigência da Lei Complementar Estadual nº 34/2002, o quadro do egrégio Tribunal de Justiça do Tocantins manteve-se com onze (11) Desembargadores. Com o advento da referida Lei Complementar foi criada nova vaga, desaguando no provimento da 3ª vaga pelo quinto constitucional.
(...)
2.3.3 O Tribunal de Justiça do Tocantins, por ato arbitrário e informal da sua Presidência (anexo IV) em 11/11/02, 'deu' ao MPE a 12ª vaga da Lei Complementar nº 34, com a qual alcançou doze (12) integrantes. Também informalmente, isto é, sem convocação e sem candidaturas, conforme registro da ata própria, em 12.11.02, portanto em um dia, o MP fez a lista sêxtupla que resultou na nomeação da Procuradora Geral da Justiça, Jacqueline Adorno de La Cruz Barbosa, em 14/11/02, por ato do Governador do Estado do Tocantins, este aqui também questionado." (fls. 10-11).
Em primeiro lugar, cabe esclarecer que a nomeação do Desembargador LUIZ APARECIDO GADOTTI foi realizada com base no parágrafo único, do art. 75, da Lei Orgânica da Magistratura Tocantinense (Lei Complementar Estadual no 10-TO, de 11 de janeiro de 1996, com a redação dada pelo art. 1o, da Lei Complementar Estadual no 16-TO, de 13 de novembro de 1998).
Relativamente à referida Lei Orgânica, em 18 de março 1999, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade no 1.970-TO, Rel. Min. Nelson Jobim. Na espécie questionava-se a constitucionalidade do parágrafo único, do art. 75, na redação conferida pela Lei Complementar no 16/1998-TO, sob o fundamento de que o dispositivo violaria o art. 93, II, b, da CF ("a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;")
O Plenário deste Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, em sessão de 1o de julho 1999, deferiu o pedido de liminar para suspender, até decisão final da ação direta, a vigência do parágrafo único, do art. 75, da Lei Complementar no 10/1996-TO, com a redação dada pelo art. 1o, da Lei Complementar no 16/1998-TO. Eis o teor da ementa:
"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MAGISTRATURA. PROMOÇÃO POR MERECIMENTO. CARACTERIZADA A PERTINÊNCIA TEMÁTICA DA REQUERENTE. CRITÉRIO ESTABELECIDO NA LEI QUE VIOLA O ART. 93 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RISCO NA DEMORA. LIMINAR DEFERIDA." (ADI nO 1.970-TO, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 18.02.2000)
Na ocasião do deferimento da liminar, manifestou-se o Eminente Min. Relator, Min. Nelson Jobim, no seguinte sentido:
"Leio, na inicial a determinação de considerar-se o número total dos cargos para cálculo de primeira quinta parte da lista de antigüidade, vai de encontro ao que dispõe o artigo 93, II, b, da Constituição da República (aplicável aos casos de acesso aos tribunais de segundo grau, por força do inciso III do mesmo artigo), que apenas se refere a lista de antigüidade dos juizes que integram a entrância:
... a Constituição ... não se refere ao total de cargos na entrância, mas apenas a lista de antigüidade, que ... é composta ... pelos Magistrados com exercício na entrância e não pelos cargos, ocupados ou vagos, que ela possa comportar.
'Lista de antigüidade, por significar relação de pessoas (Aurélio, Novo Dicionário), não pode relacionar-se ao número de cargos, mas sim ao número de Magistrados na entrância. Em verdade, o vocábulo lista, no caso, 'é empregado na terminologia jurídica para exprimir toda relação, rol ou catálogo de coisas ou de pessoas, que aí se anotam ou se inscrevem para a satisfação de uma regra ou exigência legal' (Vocabulário Jurídico, De Plácido e Silva, p. 99). Tem-se, portanto, que em hipótese nenhuma lista de antigüidade pode confundir-se com número de cargos" (fls. 3/4)
O precedente referido nas informações (Adin 189) não tratou da questão.
Reconheceu-se, por maioria, a inconstitucionalidade de regra de Resolução do Tribunal Carioca relativa à 'utilização do critério de ordem temporal (antigüidade na entrância) como fator de desempate nas promoções por merecimento'.
Concede-se liminar havendo robusta plausibilidade do direito alegado.
É o caso.
O risco pela mora é evidente.
Poderá haver promoções com base na regra atacada.
Concedo a liminar.
Suspendo a eficácia do parágrafo único do artigo 75 da Lei Complementar n° 10, de 11/01/96, com a redação da LC n° 16, de 13/11/98, do Estado do Tocantins."
Posteriormente, a Lei Complementar no 16/1998-TO foi revogada pela Lei Complementar Estadual no 26/2000-TO, de 20 de dezembro de 2000. Diante dessa revogação, o Ministro Relator, Min. Nelson Jobim, declarou o prejuízo do pedido da ADI no 1.970-TO por perda superveniente de objeto, em decisão monocrática de 04.03.2001 (DJ de 27.04.2001). Eis o teor do referido ato decisório:
"1. Os Fatos. A Associação dos Magistrados Brasileiros propôs a presente ação para que fosse declarada a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 75 da LC 10/96, com a redação dada pelo art. 1º da LC 16/98, ambas do Estado do Tocantins. Transcrevo: 'Art. 75. .............................. Parágrafo único. Na promoção pelo critério de merecimento, para a fixação da primeira quinta parte da lista de antigüidade, considerar-se-á o número total de cargos da entrância.' Em sessão plenária de 01 de julho de 1999, este Tribunal: '... por unanimidade, deferiu o pedido de medida liminar, para suspender, até a decisão final da ação direta, a eficácia do parágrafo único do art. 75 da Lei Complementar nº 10, de 11/01/1996, com a redação dada pelo art. 1º da LC nº 16, de 13/11/1998, ambas do Estado de Tocantins...' (fls. 187). O acórdão foi publicado em 18 de fevereiro de 2000. A Requerida, Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins, traz aos autos Diário Oficial daquele Estado, de 20 de dezembro de 2000. Nele foi publicada a Lei Complementar nº 26/2000. 'Art. 3º. Revoga-se o parágrafo único do artigo 75 da Lei Complementar 10, de 11 de janeiro de 1996' (fls. 208). Em face disso, requer que seja julgada prejudicada a presente ação. 2. Decido. A revogação ao texto questionado na presente ADIN foi expressa. Este Tribunal já se manifestou em casos semelhantes: '... ocorrendo a revogação superveniente da norma atacada em ação direta, esta perde o seu objeto, independentemente de a referida norma ter, ou não, produzido efeitos concretos.' (ADI 2097, MOREIRA ALVES). 'REVOGAÇÃO DA LEI ARGÜIDA DE INCONSTITUCIONAL. Prejudicialidade da ação por perda do objeto. A revogação ulterior da lei questionada realiza, em si, a função jurídica constitucional reservada à ação direta de expungir do sistema jurídico a norma inquinada de inconstitucionalidade. EFEITOS concretos da lei revogada, durante sua vigência. Matéria que, por não constituir objeto da ação direta, deve ser remetida às vias ordinárias. A declaração em tese de lei que não mais existe, transformaria a ação direta em instrumento processual de proteção de situações jurídicas pessoais e concretas. Ação direta que, tendo por objeto a Lei 9.048/89 do Estado do Paraná, revogada no curso da ação, se julga prejudicada.' (ADIMC 709, PAULO BROSSARD - GRIFO NOSSO). Ainda: ADI's 648 e 818, NERI DA SILVEIRA. Em face do exposto, julgo prejudicada a ação, por perda do objeto (RISTF, art. 21, §1º). Arquive-se.
Uma vez esclarecida a situação legislativa relativa ao ato concreto de nomeação do Desembargador LUIZ APARECIDO GADOTTI, é necessário tecer outras considerações quanto à nomeação da Desembargadora JAQUELINE ADORNO DE LA CRUZ BARBOSA.
Com a edição da Lei Complementar Estadual no 34-TO, de 5 de novembro de 2002, foi criada nova vaga no TJTO.
Em princípio, a 3ª vaga deveria ser preenchida pelo quinto constitucional.
Assim, tendo em vista a possibilidade da nomeação tanto de um representante da advocacia, como de representante do Ministério Público, o TJTO, por ato de sua Presidência, indicou para o Governador do Estado que a nomeação deveria ser realizada em favor do Parquet. Como resultado, o Governador nomeou a então Procuradora-Geral de Justiça e atual Desembargadora JAQUELINE ADORNO DE LA CRUZ BARBOSA.
Com relação à impugnação judicial desse ato, a partir das informações e dados constantes da inicial, observo que não houve o ajuizamento de qualquer ação apta a discutir a legalidade desse segundo ato concreto de nomeação por parte da Ordem dos Advogados do Brasil ou de qualquer outra entidade legitimada para tanto.
Configurada a situação concreta sob análise, passo à análise da admissibilidade do presente pedido.
De acordo com os arts. 2o, I, da Lei no 9.882/1999, e 2o, VII, da Lei no 9.868/1999, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil é legitimado para propor a presente argüição de descumprimento de preceito fundamental.
A presente ação impugna a regularidade da nomeação de dois desembargadores que, atualmente, compõem o TJTO: i) a do Desembargador LUIZ APARECIDO GADOTTI; e ii) a da Desembargadora JACQUELINE ADORNO DE LA CRUZ BARBOSA, pelo Governador do Estado de Tocantins. Considerada essa premissa, urge tecer algumas considerações sobre o cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Tal como a Lei no 9.868/1999, a Lei no 9.882/1999 estabelece que a petição inicial deve conter: a) a indicação do preceito fundamental que se considera violado; b) a indicação do ato questionado; c) a prova da violação do preceito fundamental; d) o pedido com suas especificações e, se for o caso; e) a demonstração da controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental questionado.
O alegado preceito fundamental supostamente violado (item "a") é o disposto no art. 94 e parágrafo único, da Constituição Federal.
O ato questionado, em síntese (item "b"), é a nomeação de dois desembargadores que, atualmente, compõem o Tribunal de Justiça de Tocantins: Desembargador Luiz Aparecido Gadotti e Desembargadora Jacqueline Adorno de La Cruz Barbosa.
Conforme já afirmado, o preceito fundamental alegadamente violado (item "c") é o art. 94 e parágrafo único, da Constituição Federal. Trata-se de alegado desrespeito ao princípio do "quinto constitucional" na nomeação dos dois citados desembargadores para o TJTO.
Todavia, para a comprovação de tal violação, não será suficiente a simples indicação de uma possível afronta à Constituição, devendo caracterizar-se, fundamentadamente, a violação de um princípio ou elemento básico.
Cabe aqui questionar se o dispositivo contido no art. 94 e parágrafo único da Constituição Federal, o "quinto constitucional", trata-se de elemento ou princípio básico da Constituição.
Um juízo mais ou menos seguro sobre a lesão de preceito fundamental consistente no "quinto constitucional" exige, preliminarmente, a identificação da conformação dessa categoria na ordem constitucional e, especialmente, das suas relações de interdependência.
Também se faz indispensável fundamentar o pedido em relação a cada uma das impugnações (item "d"), quais sejam (fls. 19/20):
"a) que seja LIMINARMENTE suspensa a eficácia dos atos questionados, representados estes pelo ato de nomeação do Des. Luiz Aparecido Gadotti e da Des. Jacqueline Adorno de La Cruz Barbosa, bem como do ofício do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins à Procuradoria Geral de Justiça, pela lista tríplice e pelo Ato n. 899 - NM, do Governador do mesmo estado, determinando a imediata disponibilidade do desembargador LUIZ APARECIDO GADOTTI, o qual na qualidade de Magistrado fora nomeado na décima-primeira (11ª) vaga destinada ao quinto constitucional pertencente a membro da Advocacia, e por conseguinte,seja colocada em disponibilidade, também, a Desembargadora Jacqueline Adorno de La Cruz Barbosa, a qual fora nomeada na décima-segunda (12ª) vaga pertencente a integrante da Magistratura, sendo, portanto, suas nomeações eivadas de inconstitucionalidade;
b) Requer, ainda, seja julgada procedente a presente ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com a concessão de medida liminar, no sentido de determinar que a OAB/Tocantins elabore a lista sêxtupla;
c) Finalmente, no mérito, requer seja julgada procedente a ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, no sentido de anular o ATO DE NOMEAÇÃO do Dês. LUIZ APARECIDO GADOTTI, ou seja, tornar sem efeito o Decreto Judiciário n. 261/98, publicado no Diário de Justiça n. 652, em 18/11/1998, bem ainda o Ato n. 899 - NM do Governador do Estado do Tocantins, publicado no Diário Oficial do Estado do Tocantins n. 1.316, em 14/11/2002 que nomeou a Procuradora de Justiça do Tocantins, Jacqueline Adorno de La Cruz Barbosa para o cargo de Desembargador criado pela lei Complementar n. 34/002." (fls. 19/20)
Com relação ao aspecto da demonstração da controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental questionado (item "e"), a argüente suscita, tão-somente, a inexistência de outro meio eficaz.
Nesse particular, o desenvolvimento do princípio da subsidiariedade, ou da idéia da inexistência de outro meio eficaz, dependerá da interpretação que o STF venha a dar à lei. A esse respeito, destaque-se que a Lei no 9.882/1999 impõe que a argüição de descumprimento de preceito fundamental somente será admitida se não houver outro meio eficaz de sanar a lesividade (art. 4o, § 1o).
À primeira vista, poderia parecer que somente na hipótese de absoluta inexistência de qualquer outro meio eficaz para afastar a eventual lesão poder-se-ia manejar, de forma útil, a argüição de descumprimento de preceito fundamental.
É fácil ver que uma leitura excessivamente literal dessa disposição, que tenta introduzir entre nós o princípio da subsidiariedade vigente no direito alemão (recurso constitucional) e no direito espanhol (recurso de amparo), acabaria por retirar desse instituto qualquer significado prático.
De uma perspectiva estritamente subjetiva, a ação somente poderia ser proposta se já se tivesse verificado a exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito judicial.
Uma leitura mais cuidadosa há de revelar, porém, que na análise sobre a eficácia da proteção de preceito fundamental nesse processo deve predominar um enfoque objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva. Em outros termos, o princípio da subsidiariedade - inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão -, contido no § 1o do art. 4o da Lei no 9.882/1999, há de ser compreendido no contexto da ordem constitucional global.
Nesse sentido, caso se considere o caráter enfaticamente objetivo do instituto (o que resulta, inclusive, da legitimação ativa), meio eficaz de sanar a lesão parece ser aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata.
No direito alemão, a Verfassungsbeschwerde (recurso constitucional) está submetida ao dever de exaurimento das instâncias ordinárias. Todavia, a Corte Constitucional pode decidir de imediato um recurso constitucional, caso se demonstre que a questão é de interesse geral ou se demonstrado que o requerente poderia sofrer grave lesão caso recorresse à via ordinária (Lei Orgânica do Tribunal, § 90, II).
Como se vê, a ressalva constante da parte final do § 90, II, da Lei Orgânica da Corte Constitucional alemã confere ampla discricionariedade tanto para conhecer das questões fundadas no interesse geral (allgemeine Bedeutung), quanto daquelas controvérsias baseadas no perigo iminente de grave lesão (schwerer Nachteil).
Assim, tem o Tribunal Constitucional admitido o recurso constitucional, na forma antecipada, em matéria tributária, tendo em vista o reflexo direto da decisão sobre inúmeras situações homogêneas (BVerfGE 19/268 (273); BVerfGE 62/338 (342); v. também Schlaich, Klaus. Das Bundesverfassungsgericht, 4a ed., 1997, p. 162). A Corte considerou igualmente relevante a apreciação de controvérsia sobre publicidade oficial, tendo em vista o seu significado para todos os partícipes, ativos e passivos, do processo eleitoral (BVerfGE 62/230 (232); BVerfGE 62/117 (144); Schlaich, cit., p. 162). No que concerne ao controle de constitucionalidade de normas, a posição da Corte tem-se revelado enfática: "apresenta-se, regularmente, como de interesse geral a verificação sobre se uma norma legal relevante para uma decisão judicial é inconstitucional" (BVerfGE 91/93 (106)).
No direito espanhol, explicita-se que cabe o recurso de amparo contra ato judicial desde que "se hayan agotado todos los recursos utilizables dentro de la vía recursal" (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, art. 44, I). Não obstante, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que, para os fins da exaustão das instâncias ordinárias, "não é necessária a interposição de todos os recursos possíveis, senão de todos os recursos razoavelmente úteis" (Almagro, José. Justicia Constitucional, Comentarios a la Ley Orgánica del Tribunal Constitucional, 2a ed., Valência, 1989, p. 324.).
Nessa linha de entendimento, anotou o Tribunal Constitucional Espanhol: "Al haberse manifestado en este caso la voluntad del órgano jurisdicional sobre el mismo fondo de la cuestión planteada, há de entenderse que la finalidad del requisito exigido en el art. 44, 1, 'a', de la LOTC se há cumplido, pues el recurso hubiera sido en cualquier caso ineficaz para reparar la supuesta vulneración del derecho constitucional conocido" (auto de 11.2.1981, n. 19 [Almagro, José. Justicia Constitucional, Comentarios a la Ley Orgánica del Tribunal Constitucional, 2a ed., Valência, 1989, p.325]). Vê-se, assim, que também no direito espanhol tem-se atenuado o significado literal do princípio da subsidiariedade ou do exaurimento das instâncias ordinárias, até porque, em muitos casos, o prosseguimento nas vias ordinárias não teria efeitos úteis para afastar a lesão a direitos fundamentais.
Observe-se, ainda, que a legitimação outorgada ao Ministério Público e ao Defensor do Povo para manejar o recurso de amparo reforça, no sistema espanhol, o caráter objetivo desse processo.
Tendo em vista o direito alemão, Schlaich transcreve observação de antigo Ministro da Justiça da Prússia segundo a qual "o recurso de nulidade era proposto pelas partes, porém com objetivo de evitar o surgimento ou a aplicação de princípios jurídicos incorretos" (Schlaich, Klaus. Das Bundesverfassungsgericht, 4a ed., 1997, p. 184). Em relação ao recurso constitucional moderno, movido contra decisões judiciais, anota Schlaich: "essa deve ser também a tarefa principal da Corte Constitucional com referência aos direitos fundamentais, tendo em vista os numerosos e relevantes recursos constitucionais propostos contra decisões judiciais: contribuir para que outros tribunais logrem uma realização ótima dos direitos fundamentais" (Schlaich, Klaus. Das Bundesverfassungsgericht, 4a ed., 1997, p. 184).
Em verdade, o princípio da subsidiariedade, ou do exaurimento das instâncias, atua também nos sistemas que conferem ao indivíduo afetado o direito de impugnar a decisão judicial, como um pressuposto de admissibilidade de índole objetiva, destinado, fundamentalmente, a impedir a banalização da atividade de jurisdição constitucional (Rüdiger, Zuck. Das Recht der Verfassungsbeschwerde, 2.ed. Munique,1988, pp. 13 e ss).
Conforme tenho sustentado no âmbito dogmático, no caso brasileiro o pleito a ser formulado pelos órgãos ou entes legitimados dificilmente versará - pelo menos de forma direta - sobre a proteção judicial efetiva de posições específicas por eles defendidas. A exceção mais expressiva reside talvez na possibilidade de o Procurador-Geral da República, como previsto expressamente no texto legal, ou qualquer outro ente legitimado, propor a argüição de descumprimento a pedido de terceiro interessado, tendo em vista a proteção de situação específica.
Ainda assim, o ajuizamento da ação e a sua admissão estarão vinculados, muito provavelmente, ao significado da solução da controvérsia para o ordenamento constitucional objetivo, e não à proteção judicial efetiva de situações singulares.
Nesse cenário, tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da argüição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional. Destarte, assumida a plausibilidade da alegada violação ao preceito constitucional, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em sentido contrário, em princípio, não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade - isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata -, há de se entender possível a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental.
É o que ocorre, fundamentalmente, nos casos relativos ao controle de legitimidade do direito pré-constitucional, do direito municipal em face da Constituição Federal e nas controvérsias sobre direito pós-constitucional já revogado ou cujos efeitos já se exauriram. Nesses casos, em face do não-cabimento da ação direta de inconstitucionalidade, não há como deixar de reconhecer, em princípio, a admissibilidade da argüição de descumprimento.
Não se pode admitir que a existência de processos ordinários e recursos extraordinários deva excluir, a priori, a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Até porque o instituto assume, entre nós, feição marcadamente objetiva.
Nessas hipóteses, ante a inexistência de processo de índole objetiva, apto a solver, de uma vez por todas, a controvérsia constitucional, afigurar-se-ia integralmente aplicável a argüição de descumprimento de preceito fundamental. É que as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem, as mais das vezes, capazes de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata. A necessidade de interposição de um sem número de recursos extraordinários idênticos poderá, em verdade, constituir-se em ameaça ao livre funcionamento do STF e das próprias Cortes ordinárias.
A propósito, assinalou Sepúlveda Pertence, na ADC no 1 (ADC 1/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 1.12.93, DJU 16.6.95), que a convivência entre o sistema difuso e o sistema concentrado "não se faz sem uma permanente tensão dialética na qual, a meu ver, a experiência tem demonstrado que será inevitável o reforço do sistema concentrado, sobretudo nos processos de massa; na multiplicidade de processos a que inevitavelmente, a cada ano, na dinâmica da legislação, sobretudo da legislação tributária e matérias próximas, levará se não se criam mecanismos eficazes de decisão relativamente rápida e uniforme; ao estrangulamento da máquina judiciária, acima de qualquer possibilidade de sua ampliação e, progressivamente, ao maior descrédito da Justiça, pela sua total incapacidade de responder à demanda de centenas de milhares de processos rigorosamente idênticos, porque reduzidos a uma só questão de direito".
A possibilidade de incongruências hermenêuticas e confusões jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos de múltiplos órgãos pode configurar uma ameaça a preceito fundamental (pelo menos, ao da segurança jurídica), o que também está a recomendar uma leitura compreensiva da exigência aposta à lei da argüição, de modo a admitir a propositura da ação especial toda vez que uma definição imediata da controvérsia mostrar-se necessária para afastar aplicações erráticas, tumultuárias ou incongruentes, que comprometam gravemente o princípio da segurança jurídica e a própria idéia de prestação judicial efetiva.
Ademais, a ausência de definição da controvérsia ou a própria decisão prolatada pelas instâncias judiciais poderá ser a concretização da lesão a preceito fundamental. Em um sistema dotado de órgão de cúpula, que tem a missão de guarda da Constituição, a multiplicidade ou a diversidade de soluções pode constituir-se, por si só, em uma ameaça ao princípio constitucional da segurança jurídica e, por conseguinte, em uma autêntica lesão a preceito fundamental.
Assim, tendo em vista o perfil objetivo da argüição de descumprimento, com legitimação diversa, dificilmente poder-se-á vislumbrar uma autêntica relação de subsidiariedade entre o novel instituto e as formas ordinárias ou convencionais de controle de constitucionalidade do sistema difuso, expressas, fundamentalmente, no uso do recurso extraordinário.
Como se vê, ainda que aparentemente pudesse ser o recurso extraordinário o meio eficaz de superar eventual lesão a preceito fundamental nessas situações, na prática, especialmente nos processos de massa, a utilização desse instituto do sistema difuso de controle de constitucionalidade não se revela plenamente eficaz, em razão do limitado efeito do julgado nele proferido (decisão com efeito entre as partes).
Desse modo, é possível concluir que a simples existência de ações ou de outros recursos processuais - vias processuais ordinárias - não poderá servir de óbice à formulação da argüição de descumprimento. Ao contrário, tal como explicitado, a multiplicação de processos e decisões sobre um dado tema constitucional reclama, as mais das vezes, a utilização de um instrumento de feição concentrada, que permita a solução definitiva e abrangente da controvérsia.
É outro, porém, o caso dos autos!
Conforme pode se observar na espécie, a argüente não utilizou qualquer instrumento processual ou ação de impugnação autônoma do ato imputado como manifestamente inconstitucional.
Poder-se-ia cogitar, portanto, até mesmo da tempestiva impetração de mandado de segurança (CF, art. 5o, LXIX) contra os atos de nomeação realizados pelo Governador do Estado de Tocantins.
Na verdade, almeja-se reparar lesão a direito supostamente reconhecido com relação a situações singulares, a saber: a nomeação de dois desembargadores estaduais em suposta violação à disposição constitucional do "quinto constitucional" (CF, art. 94 e parágrafo único).
No caso concreto, porém, conforme alertara o próprio relator, Min. Nelson Jobim, quando do arquivamento dos autos da ADI no 1.970-TO, a situação singular poderia ser sido ampla e eficazmente discutida na via ordinária. Reitero que, na ocasião da declaração do prejuízo do pedido da ADI no 1.970-TO, em decisão monocrática de 04.03.2001 (DJ de 27.04.2001), o relator asseverou que:
"Este Tribunal já se manifestou em casos semelhantes: '... ocorrendo a revogação superveniente da norma atacada em ação direta, esta perde o seu objeto, independentemente de a referida norma ter, ou não, produzido efeitos concretos.' (ADI 2097, MOREIRA ALVES). 'REVOGAÇÃO DA LEI ARGÜIDA DE INCONSTITUCIONAL. Prejudicialidade da ação por perda do objeto. A revogação ulterior da lei questionada realiza, em si, a função jurídica constitucional reservada à ação direta de expungir do sistema jurídico a norma inquinada de inconstitucionalidade. EFEITOS concretos da lei revogada, durante sua vigência. Matéria que, por não constituir objeto da ação direta, deve ser remetida às vias ordinárias. A declaração em tese de lei que não mais existe, transformaria a ação direta em instrumento processual de proteção de situações jurídicas pessoais e concretas. Ação direta que, tendo por objeto a Lei 9.048/89 do Estado do Paraná, revogada no curso da ação, se julga prejudicada.' (ADIMC 709, PAULO BROSSARD). Ainda: ADI's 648 e 818, NERI DA SILVEIRA. Em face do exposto, julgo prejudicada a ação, por perda do objeto (RISTF, art. 21, §1º). Arquive-se." (ADI no 1.970-TO, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 27.04.2001)
Frise-se, ademais, que, da decretação de prejudicada da ADIn, passaram-se quase 5 (cinco) anos.
Tal hipótese pode ser constatada no presente caso. Na espécie, impugnam-se não as Leis Complementares Estaduais no 16/1998 e no 34/2002, mas os atos concretos do Governador do Estado do Tocantins delas resultantes, quais sejam: as nomeações dos Desembargadores LUIZ APARECIDO GADOTTI E JACQUELINE ADORNO DE LA CRUZ BARBOSA.
De acordo com jurisprudência firmada por este Tribunal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil seria legitimado, inclusive, para impetrar eventual mandado de segurança ou para ajuizar outro meio judicial cabível.
Isso não significa, porém, que se possa perder a dimensão de que a ADPF é destinada, basicamente, a resguardar a integridade da ordem jurídico-constitucional.
Destarte, não tendo havido qualquer impugnação dos atos singulares ordinários, que, reitere-se, in casu, seria apta para solver a controvérsia de forma plena, não há como justificar, na espécie, a utilização da ADPF em face do disposto no art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99. Parece evidente que referido instituto, cuja nobreza é dispensável destacar, não pode ser utilizado para suprir inércia ou omissão de eventual interessado.
Como o instituto da ADPF assume feição eminentemente objetiva, o juízo de relevância deve ser interpretado como requisito implícito de admissibilidade do pedido.
Seria possível admitir, em tese, a propositura de ADPF diretamente contra ato do Poder Público, nas hipóteses em que, em razão da relevância da matéria, a adoção da via ordinária acarrete danos de difícil reparação à ordem jurídica. O caso em apreço, contudo, revela que as medidas ordinárias à disposição da ora requerente - e, não utilizadas - poderiam ter plena eficácia.
Ressalte-se que a fórmula da relevância do interesse público, para justificar a admissão da argüição de descumprimento (explícita no modelo alemão), está implícita no sistema criado pelo legislador brasileiro.
No presente caso, afigura-se de solar evidência a falta de relevância jurídica para a instauração da ADPF.
Assim, tendo em vista a existência, pelo menos em tese, de outras medidas processuais cabíveis e efetivas para questionar os atos em apreço, entendo que o conhecimento do presente pedido de ADPF não é compatível com uma interpretação adequada do princípio da subsidiariedade.
Nestes termos, indefiro, liminarmente, a petição inicial (Lei no 9.868/1999, art. 4o). Conseqüentemente, nego seguimento ao presente pedido de argüição de descumprimento de preceito fundamental por entender que a postulação é manifestamente incabível, nos termos e do art. 21, § 1o do RISTF. Por conseguinte, declaro o prejuízo do pedido de medida liminar postulado.
Publique-se.
Arquive-se.
Brasília, 13 de fevereiro de 2006.
Ministro GILMAR MENDES
Relator
*decisão publicada no DJU de 13.2.2006
Assessora responsável pelo Informativo
Anna Daniela de A. M. dos Santos e Silva
[email protected]
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